Permitam que vos fale de uma mulher especial: a minha avó!
Creio que posso afirmar
que minha avó deixou a sua marca neste mundo!
O mundo é muito grande
mas… o seu mundo era muito maior do que aquele que conheceu.
O seu nome era Maria dos
Anjos Pedro mas todos a conheciam por Maria do Forno.
Nasceu em 1906.
Era filha única, coisa rara naquele tempo.
A ciência e a distância dos grandes centros, não
permitiram respostas às dificuldades que a sua mãe tinha para manter a gravidez até ao fim ou combater a mortalidade infantil. Um dos irmaos ainda conseguiu chegar à adolescencia mas Maria foi a única que conseguiu
passar por esse difícil crivo e chegar à idade adulta.
Sabia ler e escrever! Foi o pai que a ensinou!
“Para que é
preciso uma rapariga saber ler?” perguntava a maioria.
Na altura, poucos (ou nenhuns) rapazes iam à escola, aprendendo com os mais velhos o essencial da leitura e escrita. As raparigas nem isso! Havia a convicção de que uma rapariga não precisava de saber ler e escrever e que isso só serviria de descaminho! Além de "correrem o risco" inerente ao crescente conhecimento, permitiria trocar cartas com algum rapaz mais afoito, às escondidas dos seus progenitores.
O seu pai, homem de mente aberta e igualmente à frente do seu
tempo, seguiu a sua ideia sem se importar com as opiniões alheias, ensinado a sua filha. Maria foi talvez a única mulher (das da sua
geração) alfabetizada nas Aldeias.
Casou cedo, com apenas 16 anos, com Carmelindo. Aos
17 anos teve a primeira filha e 17 anos depois nascia a filha mais nova. Entre
uma e outra nasceram mais 6 crianças. Dos oito filhos que teve, chegaram 6 à
idade adulta: dois rapazes e 4 raparigas. Três anos depois do nascimento da
filha mais nova, ficou viúva.
Sempre tinha tido uma vida confortável mas a
viuvez trouxe uma grande reviravolta!
As três filhas mais novas ficaram consigo na
Aldeia. Os outros mais velhos já tinham partido para a cidade grande! A idade
adulta chegava cedo naquela altura…
Passaram necessidades, talvez algum “frio na
barriga” mas nem por isso perderam a dignidade e o sentido de que a união entre
as quatro seria a sua melhor arma contra todas as adversidades.
Protetora mas não castradora, discretamente
atenta, completamente presente!
Connosco, os netos, era igualmente
protetora, atenta e presente. Às vezes até parecia que estava distraída, que as
nossas marotices passavam despercebidas mas depois, pelo que nos dizia, víamos
claramente que quando nós “estávamos a ir, já ela estava de volta”!
Por graça, chegámos a apelidar as
nossas brincadeiras de “Os cinco e a avó nervosa” adaptando o título de uma
coleção de livros de aventuras muito em voga na época às nossas aventuras de
verão. A sua constante preocupação com o nosso bem estar inspirou o titulo das nossas aventuras na Aldeia.
A minha avó era muito magra e tinha um aspeto
frágil! No entanto, era uma fortaleza!
Um exemplo de que a sabedoria não
precisa de “show off”! Precisa de apenas de estar lá, no local e momento
certos!
Maria do Forno teve uma especial missão não só nas
Aldeias mas por vários lugares do Concelho. As suas mãos esguias, hábeis e seguras,
trouxeram ao mundo dezenas de bebés. Até nos casos mais complexos que exigiam a
presença de um médico, este requisitava a sua presença para o auxiliar,
reconhecendo assim a sua competência. Trazer à luz é indubitavelmente uma missão!
Não tenho duvidas de que esta mulher tinha um dom…
Um dom apaziguador, curativo, nascido dela e com ela. Daquelas
coisas que não têm explicação! Simplesmente se testemunham, se vivênciam!
Tenho saudades da minha avó!
Das
suas conversas vindas do nada, da aparente fragilidade, de como andava à chuva por me ter dado o único guarda-chuva que tinha (e de nada valeu insistir que se abrigasse ela!), das “bichas de botelha”
que fazia sempre que estava em minha casa… Coisas simples mas de tão doce memória!
Sempre que penso sua vida, sinto-me
grata por descender de tão valiosa casta!
Quem dera ter recebido dela os genes da determinação!
De uma coisa tenho certeza: O seu
mundo era mesmo muito maior do que aquele que conheceu.