sábado, 7 de março de 2015

Um lindo menino loirinho de olho azul

Sempre vi razões para celebrar em grande alegria o dia 8 de março!
Neste dia que o mundo reserva à mulher, na minha vida sempre foi reservado ao meu pai!

Embora tenha decido escrever-vos sobre este grande homem, não sei bem por onde começar!
Não queria seguir o caminho de uma escrita de amor enfeitado com corações cor de rosa e frases feitas, já que não iria espelhar o que por ele sinto e cairia numa desnecessária lamechice… Portanto… Não está fácil, mas vamos a isto!

Naquele 08 de Março, Maria das Neves, minha avó, daria à luz um lindo menino loirinho de olho azul (calculo de assim fosse já que não há registo fotográfico do momento, nem facebook para expandir, já que as redes conhecidas eram as da peneira e outras que tais, que podiam não ser sociais mas eram de extrema utilidade). 

Os meninos não iam para a escola aos 6 anos como agora! O “jardim de infância” era sediado nos montes e hortas e os brinquedos eram os rebanhos, já que aos mais novos cabia a tarefa da pastorícia.
Quando os pais decidiam que os meninos podiam ir para a escola (aprender a ler e escrever, fazer contas, conhecer a história e geografia de Portugal e colónias), já tinham bem mais dos 06 anos!
Iam descalços (de Verão e Inverno) e com poucos materiais (ter uma loisa era um luxo e um livro uma enorme regalia). Antes de ir, ainda tinham de executar algumas tarefas das agrícolas de sua responsabilidade.
José Ramos, meu avô, era uma pessoa esclarecida e culta para os costumes do seu tempo. Talvez por isso tenha permitido que o meu pai fosse para a escola mais cedo do que o habitual. Já que o irmão mais chegado lá estava... Quando o meu pai fez o exame da 3ª classe era mais novo do que alguns que ainda estavam na primeira! Para aquele tempo, a 3ª classe era como um bacharelato e a 4ª uma licenciatura, já que poucos eram os que passavam dali! 3ª classe feita e como o pai entretanto faleceu, não havia vagar para estudos!
A 4ª classe foi adiada… 
Maria das Neves teve de tomar o comando da educação e da economia do lar após a morte do marido. Os filhos mais velhos já eram independentes, tendo ela ficado com o Luciano (meu pai, o petiz, com 10 anos), o Mário (meu padrinho e pouco mais velho) e a Maria (homónima da mãe e minha tia) em casa.

Entretanto, a irmã Maria casou e irmão Mário, do alto dos seus imponentes 11 anos, foi trabalhar para Lisboa. 
O meu pai ficou na Aldeia com a mãe mas, aos 17 anos, o irmão mais velho (o Zé Maria) foi buscá-lo, dizendo à minha avó que tinha trabalho para ele em Lisboa.
Não tinha! (desculpe avó, mas foi uma mentira piedosa e de grande impulso na vida do filho Luciano, convenhamos).
Não tinha trabalho mas depressa arranjou: Num ferro-velho! Para quem andava na "Vala da Fonte" de picareta na mão de sol a sol, um ferro-velho era um pedaço de paraíso! Entretanto, voltou à escola e completou a licenciatura (4ª classe).

O meu pai nunca foi de ambições desmedidas mas sempre lutou por cumprir os seus sonhos, meticulosamente estudados, com plena consciência dos prós e contras. A ambição sempre veio acompanhada de uma gigantesca determinação e muito trabalho! Exemplo disso é o facto de não se ter contentado com a 4ª classe e ter seguido em frente em direção ao curso comercial (mais ou menos um mestrado para a época)!

De dia alombava sacos na União Fabril, à noite tinha aulas na Ferreira Borges e daí seguia para o café onde estudava até este fechar! Dormia à pressa porque sabia que os sacos estavam à sua espera manhã cedo!
Trocou os sacos da União Fabril por sacos de cartas, indo trabalhar para os correios como carteiro! O serão (aulas+café) manteve o ritmo. O “carteiro mais jeitoso da Lisboa 3” estudava as matérias mais aborrecidas em andamento, durante o “giro”, entre uma e outra entrega de correspondência. A necessidade aguça o engenho e, num dia que tem invariavelmente 24 horas, há que fazer uma gestão competente e equilibrada do tempo! 

O final do curso já o fez casado. Os meus pais casaram em 1962 (Esta “rica prenda” que vos escreve nasceu 5 anos depois). Sem dinheiro para gastar em grandes festas de casamento (a sua festa teve mais ou menos 2 convidados, os meus tios), o mais importante estava lá: o grande amor que os unia! Viviam num quarto alugado com uma senhoria rabugenta e uns visitantes peçonhentos que por vezes cruzavam o chão.
Entretanto, o curso foi terminado, o que potenciou empregos mais estáveis e melhor remunerados. Essa estabilidade permitiu o risco (que no caso do meu pai, risco=certeza) do “luxo” de poder sair de um simples quarto para uma parte de casa, partilhada com o meu tio Zé, irmão de minha mãe, a esposa Maria dos Anjos e os pequenos Cila e Zézito! Quando nasci, era aí que morávamos… Após um ano e meio, depois de contas, recontas, horas de sono perdidas e dezenas de hipóteses ponderadas, finalmente tivemos casa própria, inteirinha só para nós! A titulo de curiosidades, poderei dizer que estreei a casa fazendo um simpatico cócó debaixo da mesa da cozinha! (Eu avisei do perigo eminente! Não tive culpa que não tivessem ouvido!)
 
Podia continuar a falar-vos da história de vida do meu pai. Tentei resumir ao máximo. O que queria era dar-vos uma ideia da mudança brutal que a sua vida sofreu desde o seu início!
Toda essa mudança (reafirmo) sempre resultou de uma gigantesca determinação e muito trabalho. Um exemplo que o inconformismo dá frutos! Sem nunca perder o foco, a força, a seriedade, realizando sonhos numa realidade concreta e de pés bem assentes.
Há momentos em que a vida lhe prega rasteiras, vira tudo ao contrario, altera-lhe os pontos cardeais! Alivia os braços mas não os baixa! Retoma a viagem, reajustando, reaprendendo, reorientando!

Posso dizer-vos, meus amigos, que toda a vida recebi lições do meu pai!
Não falo apenas de conversas (e, sim, temos muitas) mas principalmente de ações, de exemplo!  

Na nossa história de pai-filha também temos momentos de revolta, desobediência, “ouvidos de mercador”, conflito de ideias e açoites no rabo (em criança açoites reais, agora um outro tipo de açoites que poderia escrever entre aspas).
Todos esses momentos são de aprendizagem e formação de caracter. Todos valem a pena!

Sempre vi razões para celebrar em grande alegria o dia 8 de março!
Neste dia que o mundo reserva à mulher, na minha vida sempre foi reservado ao meu pai!

Quer seja em modo “dia da mulher” quer em modo “dia do meu pai”, este 8 de Março é sinónimo de luta pela dignidade, por melhores condições de vida.
Em modo “dia do meu pai” acrescento o mimo, a cumplicidade, a verdade, o amor,… pronto, os açoites também!
Este texto é mais extenso do que a maior parte dos deste blogue mas, acreditem, o que não está aqui escrito sobre o pai Baeta é muito maior! Maior em extensão mas principalmente em significado! O pai Baeta é ENORME! E é meu!!!

Feliz aniversário papi!!!!!!!!!!!!!!!!!

P.S. Passados uns quantos anos após o seu nascimento, o meu pai continua a ser um lindo menino loirinho de olho azul! Além de uma pessoa fantástica, é giro que se farta! :)